Com extrema preocupação, nós, historiadores, arquivistas, sociólogos, juristas, profissionais da informação e pesquisadores em geral, assistimos à degradação e ao abandono de uma instituição inestimável para a compreensão histórica, política, jurídica, econômica, sociológica e antropológica de nosso país: o Arquivo Nacional (AN).
Essa situação crítica teve início durante o governo de Michel Temer e se agravou durante a administração de Jair Bolsonaro. Infelizmente, contrariando as expectativas, o quadro de deterioração prossegue após a transferência do órgão para o Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) e a nomeação da atual direção.
Convertido em uma secretaria do MGI, o Arquivo Nacional deixou de ser um órgão independente, perdendo seu orçamento próprio e enfrenta hoje severas limitações financeiras e burocráticas que paralisam funções essenciais e impedem o cumprimento da missão institucional. Projetos de pesquisa, eventos como o Arquivo em Cartaz e a II Conferência Nacional de Arquivos, bem como o recolhimento e a disponibilização de novos acervos, encontram-se suspensos. Além disso, a reativação de setores estratégicos, como o Memórias Reveladas, anunciada de maneira ostensiva, enfrenta dificuldades significativas.
Manifestamos, portanto, nossa solidariedade aos mais de 400 servidores do Arquivo Nacional que bravamente resistem ao desmonte deste verdadeiro símbolo da memória brasileira. Há uma escassez de recursos para a aquisição de materiais e manutenção de equipamentos e mobiliário. As fachadas do conjunto tombado apresentam visíveis sinais de desmoronamento, clamando por restauração. É urgente a realização de obras emergenciais nos depósitos do Rio de Janeiro e de Brasília, ambos afetados por extensas infiltrações que ameaçam a integridade da documentação ali guardada. O acervo encontra-se em risco, assim como o acesso aos documentos.
Qual deve ser a prioridade no uso de recursos públicos? Parece haver verbas disponíveis para passagens e diárias da alta gestão, cujos relatos de viagens, tanto nacionais quanto internacionais, ocupam a quase totalidade da comunicação institucional, enquanto trabalhadores do órgão enfrentam recorrentes obstáculos para participar de congressos e atividades de desenvolvimento técnico.
Assim como o acervo, os servidores do Arquivo estão submetidos a condições adversas. São abundantes os relatos de práticas de assédio moral, perseguição, preterição de servidores de carreira e interferência nas atividades decorrentes de uma centralização e controle exacerbados, além de demandas que, em desacordo com pareceres técnicos das áreas competentes, precisam ser atendidas em prazos inadequados. O diálogo com os setores é escasso, resultando em lentidão ou paralisação das atividades.
Esse ambiente insalubre tem impactado a motivação e a capacidade de trabalho dos servidores, levando a adoecimentos, licenças de saúde e evasões para outros órgãos. Essa situação afeta, inclusive, a própria equipe trazida pela direção para cargos de confiança, tendo sete gestores, em menos de dois anos, já solicitado exoneração, entre eles o Coordenador Geral de Comunicação e a última Diretora de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao Acervo, que, assim como sua antecessora, permaneceu por um período muito curto no órgão.
Outro aspecto que inquieta servidores e profissionais da área é a desordem administrativa gerada por sucessivas reestruturações sofridas pelo AN durante o governo Bolsonaro, as quais foram aprofundadas por portarias recentes do MGI. Na sua estrutura atual, o órgão apresenta um considerável inchaço em seus setores superiores, especialmente no Gabinete da Direção-Geral, que concentra um número elevado de gratificações não ocupadas por servidores públicos, ao passo que áreas técnicas importantes permanecem extintas, como o setor de Cartografia.
Ademais, membros da cúpula bolsonarista do Arquivo Nacional, como o ex-diretor-geral substituto, continuam em posições de alto escalão no MGI, apesar das denúncias públicas de perseguição e assédio. Somente sua destituição poderá abrir espaço efetivo para a união e reconstrução do Arquivo Nacional.
Diante disso, solicitamos à ministra Esther Dweck que atenda às reivindicações das servidoras e servidores e de sua Associação e que adote critérios técnicos e democráticos para a escolha da próxima direção do Arquivo Nacional.
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